terça-feira, 15 de maio de 2012

Poesia Romântica: Gonçalves Dias


Apesar de ser advogado de formação é conhecido muito mais como poeta e etnógrafo, tendo uma relevância para o teatro brasileiro, tendo escrito quatro teatrólogo. Teve uma atuação muito importante enquanto jornalista. Era filho de uma união não oficializada entre um comerciante português com uma mestiça, o que muito o orgulhava de ter o sangue das três raças formadoras do povo brasileiro: branca, indígena e negra.
 Teve sua grande musa inspiradora: Ana Amélia Ferreira Vale. Várias de suas peças românticas, inclusive “Ainda uma vez — Adeus” foram escritas para ela.

OBRAS: Primeiros Cantos


Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.



O Canto do Índio
  
Quando o sol vai dentro d'água 
Seus ardores sepultar, 
Quando os pássaros nos bosques 
Principiam a trinar;  
Eu a vi, que se banhava... 
Era bela, ó Deuses, bela, 
Como a fonte cristalina, 
Como luz de meiga estrela.  
Ó Virgem, Virgem dos Cristãos formosa, 
Porque eu te visse assim, como te via, 
Calcara agros espinhos sem queixar-me, 
Que antes me dera por feliz de ver-te.  
O tacape fatal em terra estranha 
Sobre mim sem temor veria erguido; 
Dessem-me a mim somente ver teu rosto 
Nas águas, como a lua, retratado.  
Eis que os seus loiros cabelos 
Pelas águas se espalhavam, 
Pelas águas, que de vê-los 
Tão loiros se enamoravam.  
Ela erguia o colo ebúrneo, 
Por que melhor os colhesse; 
Níveo colo, quem te visse, 
Que de amores não morresse!  
Passara a vida inteira a contemplar-te, 
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa, 
Sem que dos meus irmãos ouvisse o canto, 
Sem que o som do Boré que incita à guerra 
Me infiltrasse o valor que m'hás roubado, 
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa.  
As vezes, quando um sorriso 
Os lábios seus entreabria, 
Era bela, oh! mais que a aurora 
Quando a raiar principia.  
Outra vez - dentre os seus lábios 
Uma voz se desprendia; 
Terna voz, cheia de encantos, 
Que eu entender não podia.  
Que importa? Esse falar deixou-me n'alma 
Sentir d'amores tão sereno e fundo, 
Que a vida me prendeu, vontade e força 
Ah! que não queiras tu viver comigo, 
Ó Virgem dos Cristãos, Virgem formosa!  Sobre a areia, já mais tarde, 
Ela surgiu toda nua; 
Onde há, ó Virgem, na terra 
Formosura como a tua!?  
Bem como gotas de orvalho 
Nas folhas de flor mimosa, 
Do seu corpo a onda em fios 
Se deslizava amorosa.  
Ah! que não queiras tu vir ser rainha 
Aqui dos meus irmãos, qual sou rei deles! 
Escuta, ó Virgem dos Cristãos formosa. 
Odeio tanto aos teus, como te adoro; 
Mas queiras tu ser minha, que eu prometo 
Vencer por teu amor meu ódio antigo, 
Trocar a maça do poder por ferros 
E ser, por te gozar, escravo deles.  




Seus Olhos 

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, 
De vivo luzir, 
Estrelas incertas, que as águas dormentes 
Do mar vão ferir;  
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, 
Têm meiga expressão, 
Mais doce que a brisa, - mais doce que o nauta 
De noite cantando, - mais doce que a frauta Quebrando a solidão.  
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, 
De vivo luzir, 
São meigos infantes, gentis, engraçados 
Brincando a sorrir.  
São meigos infantes, brincando, saltando 
Em jogo infantil, 
Inquietos, travessos; - causando tormento, 
Com beijos nos pagam a dor de um momento, 
Com modo gentil.  
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, 
Assim é que são; 
Às vezes luzindo, serenos, tranqüilos, 
Às vezes vulcão!  
Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco, 
Tão frouxo brilhar, 
Que a mim me parece que o ar lhes falece, 
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece 
Me fazem chorar.  
Assim lindo infante, que dorme tranqüilo, 
Desperta a chorar; 
E mudo e sisudo, cismando mil coisas, 
Não pensa - a pensar.  
Nas almas tão puras da virgem, do infante, 
Às vezes do céu 
Cai doce harmonia duma Harpa celeste, 
Um vago desejo; e a mente se veste 
De pranto co'um véu.  
Quer sejam saudades, quer sejam desejos 
Da pátria melhor; 
Eu amo seus olhos que choram sem causa 
Um pranto sem dor.  
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros, 
De vivo fulgor; 
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia, 
Que falam de amores com tanta poesia. 
Com tanto pudor.  
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, 
Assim é que são; 
Eu amo esses olhos que falam de amores 
Com tanta paixão.  




SEMPRE  ELA

Eu amo a doce virgem pensativa,
Em cujo rosto a palidez se pinta, 
Como nos céus a matutina estrela!
A dor lhe há desbotado a cor das faces, 
E o sorriso que lhe roça os lábios 
Murcha ledo sorrir nos lábios doutrem.
Tem um timbre de voz que n’alma ecoa,
Tem expressões d’angélica doçura,
E a mente do que as ouve, se perfuma
De amor profundo e de piedade santa,
E exala eflúvios dum odor suave
De aloés, de mirra ou de mais grato incenso. 
E nessas horas, quando a mente aflita, 
De dor oculta remordida, anseia 
Desabrochar-se em confidência amiga,
“Neste mundo o qu sou? – triste clamava;
“Pérsica involta em pó, entre ruínas, 
“Erma e sozinha a revolver-me em pranto!
“Flor desbotada em hástea já roída,
“De cujo tronco as outras amarelas 
“Já rojam sobre o pó, já murchas pendem!
“É sentir e sofrer a minha vida!”
Merencória dizia, erguendo os olhos 
Aos céus dum claro azul, que lhes sorriam.
Nada o mundo alcion por sobre os mares, 
E próximo a seu fim desata o canto;
A rosa do Sarão lá se despenha
Nas águas do Jordão? E como a rosa, 
Como o cisne, do mar entre os perfumes, 
Aos sons duma Harpa interna ela morria!
E como o pastor que avista a linda rosa
Nas águas da corrente, e como o nauta
Que vê, que escuta o cisne ir-se embaladoSobre as águas do mar, cantado a morte;
Eu também a segui – a rosa , o cisne,
Que lá se foi sumir pó clima estranho.
E depois que os meus olhos a perderam,
Como se perde a estrela em céus infindos,
Errei pó sobre as ondas do oceano,
Sentei-me a sombra das florestas virgens,
Procurando apagar a imagem dela,
Que tão inteira me ficara n’alma!
Embalde aos céus erguendo os olhos turvos
Meu astro procurei entre os mais astros,
Qu’outrora amiga sina me fadara!
Com brilho embaciado e lua incerta
Nos ares se perdeu antes do ocaso, 
Deixando-me sem norte em mar d’angústias.



Ainda Uma Vez- Adeus

  I
Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!
     II
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!
    III
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esperança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!
   IV
Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.
    V
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!
  VI
Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias - bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!
    VII
Oh! se lutei!... mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?
   VIII
Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t'esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T'esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!
   IX
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!
   X
Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
"Ela é feliz (me dizia)
"Seu descanso é obra minha."
Negou-me a sorte mesquinha...
Perdoa, que me enganei!
   XI
Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!
    XII
Enganei-me!... - Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!
    XIII
Louco, julguei adornar-me
Com palmas d'alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
C'o que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.
   XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!
    XV
És doutro agora, e pr'a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!
    XVI
Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!
    XVII
Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!
    XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; - e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, - de compaixão.





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