domingo, 13 de maio de 2012

Poesia Romântica: Gonçalves de Magalhães


Domingos José Gonçalves de Magalhães nasceu no Rio de Janeiro, em 1811. Viveu na Europa, onde teve contato com a poesia romântica. A obra Suspiros Poéticos e Saudades foi considerada a obra inaugural do Romantismo no Brasil. O autor procurou criar e consolidar uma literatura nacional para o país. Morreu em Roma, em 1882. Seu poema de destaque foi Noite tempestuosa do livro Urânias.


Obra: 
Suspiros Poéticos e Saudades;





III
A POESIA
Um Deus existe, a Natureza o atesta;
A voz do tempo sua glória entoa,
De seus prodígios se acumula o espaço;
E esse Deus, que criou milhões de mundos,
Mal queira, num minuto,
Pode ainda criar mil mundos novos.
Os que nos leves ares esvoaçam,
Os que do vasto mar no fundo habitam,
Os que se arrastam sobre a dura terra,
E o homem que para o céu olhos eleva,
Todos humildes seu Autor adoram.
Todos te adoram, sim, meu Deus, mas como?
Este no sol te vê, na lua aquele,
Qual um touro te crê, qual um tirano;
E entre si disputando a preferência,
Todos ufanos conhecer-te julgam.
No céu rutila o sol, e sobre a terra
Caem seus raios como chuva de ouro;
Mas cada flor, um raio recebendo,
De um esmalte diverso se colora.
Oh tu, qu’eu amo como casta virgem!
Sim, tu és como Deus, diva Poesia!
Sim, tu és como o sol! Por toda parte
Cultos te rendem de uma zona à outra;
Cada mortal te ofrece
Um culto igual à força de sua alma;
Qual te julga uma virgem do Permesso,
Só de ficções amiga;
Qual da verdade o Anjo,
Que tudo vê com olhos luminosos;
Tua voz similhante a uma torrente
Tudo abala, e consigo arrasta tudo. 
[...]
Tu és tudo, oh Poesia!
Tu estás na paz, e na guerra,
Nos céus, nos astros, na terra,
No mar, na noite, no dia!
 Oh mágico Nume,
Que minha alma adora,
Do céu sacro lume,
Que abrasa, e vigora
O meu coração!
Tu és o perfume,
E o esmalte das flores,
Dos sóis os fulgores,
Dos céus a harmonia,
Do raio o clarão!
Tu és a alegria
D’uma alma piedosa,
E a voz lutuosa,
A voz d’agonia,
Que escapa do peito,
De quem vai do leito
À terra baixar.
Tu és dos desertos
O som lamentoso,
E o eco choroso
Das vagas do mar.
Tu és a inocência,
E o riso da infância,
Do velho a prudência,
Do moço o vigor,
Do herói a clemência,
Do amor a constância,
Da bela o pudor.
[...]



V
A FANTASIA
Para dourar a existência
Deus nos deu a fantasia;
Quadro vivo, que nos fala,
D’alma profunda harmonia.
Como um suave perfume,
Que com tudo se mistura;
Como o sol que flores cria,
E enche de vida a natura.
Como a lâmpada do templo
Nas trevas sozinha vela,
Mas se volta a luz do dia
Não se apaga, e sempre é bela.
Dos pais, do amigo na ausência,
Ela conserva a lembrança,
Aviva passados gozos,
E em nós desperta a esperança.
Por ela sonho acordado,
Subo ao céu, mil mundos gero;
Por ela às vezes dormindo
Mais feliz me considero.
Por ela, meu caro Lima,
Viverás sempre comigo;
Por ela sempre a teu lado
Estará o teu amigo.



XI
A BELEZA
Oh Beleza! Oh potência invencível,
Que na terra despótica imperas;
Se vibras teus olhos
Quais duas esferas,
 Quem resiste a seu fogo terrível?
Oh Beleza! Oh celeste harmonia,
Doce aroma, que as almas fascina;
Se exalas suave
Tua voz divina,
Tudo, tudo a teus pés se extasia.
A velhice, do mundo cansada,
A teu mando resiste somente;
Porém que te importa
A voz impotente,
Que se perde, sem ser escutada?
Diga embora que o teu juramento
Não merece a menor confiança;
Que a tua firmeza
Stá só na mudança;
Que os teus votos são folhas ao vento.
Tudo sei; mas se tu te mostrares
Ante mim como um astro radiante,
De tudo esquecido,
Nesse mesmo instante,
Farei tudo o que tu me ordenares.
Se até hoje remisso, não arde
Em teu fogo amoroso meu peito,
De estóica dureza
Não é isto efeito;
Teu vassalo serei cedo ou tarde.
Infeliz tenho sido até gora,
Que a meus olhos te mostras severa;
Nem gozo a ventura,
Que goza uma fera;
Entretanto ninguém mais te adora.
Eu te adoro como o Anjo celeste,
Que da vida os tormentos acalma;
Oh vida da vida,
Oh alma desta alma,Um teu riso sequer me não deste!
Minha lira que triste ressoa,
Minha lira por ti desprezada,
Assim mesmo triste,
Assim malfadada,
Teu poder, teus encantos pregoa.
Oh beleza, meus dias bafeja,
Em teu fogo minha alma devora;
Verás de que modo
Meu peito te adora,
E que incenso ofertar-te deseja.



XXIV
O SUSPIRO À PÁTRIA
Já que do coração rompeste os seios,
Onde terna saudade te gerara,
E quando mais minha alma nas da Pátria
Idéias se engolfava,
Da clausura do peito te escapaste,
Onde mais não cabias,
Fugitivo roçando inertes lábios,
Triste suspiro meu!... Já que teu eco
O silêncio quebrou misterioso
Do sepulcral horror deste recinto;
Sai, oh suspiro! sai... Não mais ressoes,
Inútil  não te  percas,
Nestas longas abóbadas quebradas,
Murmurando tu só de estância em estância,
Como um lúgubre som de ave noturna,
A quem prazem as trevas, e os destroços.
Teu doloroso som repercutido
Na oposta parte, tal pavor inspira,
Que um gemido parece das entranhas
Desta imensa ruína;
Eu mesmo que exalei-te, eu mesmo tremo,
E mortos tremeriam se te ouvissem;
Que farão os viventes!
Hirtos na fronte tenho inda os cabelos,
Frio, trêmulo o corpo,
Como um tronco de gelo ao vento exposto;
E o triste coração onde habitaste,
Recobrando de novo o movimento,
Com desusada força ora palpita,
E monótono soa,
Como soa o martelo sobre a incude.
Temem os olhos de se abrir às trevas,
E de ver coroado o anfiteatro
De alvas sombras de mortos, e de espectros,
Que para mais terror me pinta a mente.
Voa, suspiro meu, voa, não tardes;
Núncio vai ser do estado em que me deixas.
O caminho te indico; aos ares sobe;
Deixa de Roma os solitários campos,
Esta terra de sangue, e de cadáveres,
E às praias chega da querida Pátria,
Tão longes praias! — Quem me dera eu vê-las!
[...]









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