Um aspecto característico de sua obra e que tem estimulado
mais discussão, diz respeito a sua poética, que ele mesmo definiu como uma
"binômia", que consiste em aproximar extremos, numa atitude
tipicamente romântica. É importante salientar o prefácio à segunda parte da
Lira dos Vinte Anos, um dos pontos críticos de sua obra e na qual define toda a
sua poética.
OBRAS:
Lira dos Vinte Anos
O Poeta
Era uma noite: — eu dormia...
Meu Deus! por que não morri?
Nas minhas faces correndo,
Senti-lhe o colo cheiroso
E nos lábios, que entreabria
Não era um sonho mentido:
Numa dor que não sabia...
Sentiu que a alma demente
Pensou que ele ia morrer!
Dentro do peito sentiu...
Não sei!... Dorme no passado
Meu pobre sonho doirado...
E as luas brancas sem véu
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noite minhas!
Elas sim... que eu não direi!
E se eu tremendo, senhora,
Dizer-vos baixo: — Sou eu!
Das minhas loucas lembranças,
Ou então, de noite, a medo
É ELA! É ELA!
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou — é ela!...
Eu a vi... minha fada aérea e pura,
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas...
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
Oh! De certo ... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores!...
São versos dela... que amanhã decerto
Ela me enviará cheios de flores...
Trem de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio...
É ela! é ela! — repeti tremendo,
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim mais bela... eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
É ela! é ela! meu amor, minh’alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou — é ela!
E me torna a vida bela...
E o tremido de teus seios?
Quando os vejo... de paixão
De os apalpar e conter...
Loucura! bastava um beijo
Minhas ternuras, donzela,
Daqueles frutos de neve...
Ai!... duas cândidas flores
Que o pressentir dos amores
Dormem nessas rosas puras
Que lírio, que nívea rosa,
Que flor da terra ou do céu,
Quantos encantos sonhados
Sem ver teu seio, donzela,
Feliz de mim... porém não!...
Que valha a rosa que assoma